domingo, 31 de enero de 2010

Creio

creio que foi a poesia
foi a poesia quem abriu a porta
e depois o olhar
um olhar tão cheio de luz
que apetecia entrar nele

Aprendiz (28/01/10)

martes, 12 de enero de 2010

Fazem-se arranjos de costura

O começo? Como foi?

Vêm à memória, imagens de criança. O meu pequeno irmão brinca deitado no chão com soldadinhos de chumbo.

- Mana, porque não atacam eles? pergunta. Porque estão quietinhos a olhar e não se mexem?

Sorrio ao passar a minha mão por entre os seus cabelos negros - talvez tenham medo.

- Ajuda-me! Faz com que eles não tenham medo…

Pego cuidadosamente num soldadinho e olho para ele. Tem a farda tão apertadinha. Vou buscar a tesoura, as linhas, a agulha e os alfinetes. Devagarmente vou descosendo as costuras. Faço isso a todos eles. Descoso e volto a coser. Alargo as costuras. E pouco a pouco vai aparecendo a coragem. Quando os poisamos no chão estão prontos a lutar.

Foi assim que descobri que sei fazer arranjos de costura.

Cresci e fiz da costura a minha profissão. Aos poucos fui arranjando clientes. De todas as idades, de todos os feitios, de todas as cores.

Pediam-me para cerzir a felicidade. Queriam descoser a tristeza e o sofrimento. Alinhavar as novas amizades, reforçar as antigas. Gostavam de alargar a alegria e encurtar a inquietude. De fazer a bainha à ira. De apertar o medo e esconder a culpa. De passajar a saudade, franzir a solidão. Coser o amor e reavivar a paixão. Remendar a paciência. Pespontar a coragem. Bordar a esperança.

Usei tecidos de linho, de veludo, de cambraia. Linhas de seda e algodão. Ponto cheio, ponto flexível, inventei novos pontos.

Aprendi tanto tanto com as minhas costuras.

Aprendi que a felicidade se rasga com facilidade quando não se cuida dela. Que os sonhos se podem ir com o vento se não os costuramos com o tempo. Que descer a bainha à fúria faz aparecer a tristeza. Que o sofrimento deve ser passajado com muita suavidade. Aprendi que a costura do amor deve ser invisível e as linhas resistentes e macias. Aprendi a passar a ferro as rugas da tristeza e a bordar sorrisos. Aprendi a deixar sempre um fio solto na alma.

O tempo foi passando. Os clientes iam e vinham. Alguns uma vez por ano outros todas as semanas. Uns poucos deixavam-se ficar e aprendiam a usar as linhas e as agulhas os pontos e os laços. Quantas vezes nos reunimos ao entardecer e nos reinventavamo numa manta de retalhos.

Mas a maioria tinha pressa. Muita pressa. E começaram a deixar de vir. Descobriam que é mais fácil comprar novo que arranjar. Demora menos tempo. E eles não têm tempo para esperar.

E assim vou ter que arranjar outra coisa para fazer. Com a minha tesoura, as minhas linhas, as minhas agulhas, os meus alfinetes.

E uma ideia começa a des pontar ...